segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Casos do Magreb: o “Capitão Gancho”


Já nos aconteceu a todos, por certo, num dia de Verão estarmos sentados a tomar um café, um refresco ou outro qualquer alimento ou bebida na esplanada de um apoio de praia (já agora para os menos habituados a esta linguagem técnica, falar de apoios de praia é o mesmo que falar dos bares assentes no areal da praia!) e sentirmos a necessidade imperiosa de recorrermos à casa de banho. Teremos, tão-somente, que nos levantar e dirigirmo-nos para o local apropriado que, fazendo parte do mesmo apoio de praia, não distará da nossa mesa mais que uma meia dúzia de metros.
Ora este cenário que se acabou de desenhar acontecer-nos-á quer estejamos a desfrutar a praia na Póvoa de Varzim, na Figueira-da-Foz, na Caparica ou em Portimão. E isto deve ser mesmo assim e não de outra forma, até porque os chamados POOC’s (Planos de Ordenamento da Orla Costeira) assim o exigem! É que os POOC’s surgiram, precisamente, para ordenar os diferentes usos e actividades balneares de uma praia, estabelecendo critérios de ocupação e exploração destes espaços litorais, os quais se pretendem uniformes para o conjunto do território nacional.

E o que dizem concretamente estes Planos de Ordenamento sobre as praias ditas “urbanas de uso intensivo” (isto é, as praias adjacentes a núcleos consolidados e sujeitas a forte procura, como o são as nossas praias do Furadouro, de Cortegaça e de Esmoriz)?
Dizem que as referidas praias têm que respeitar os seguintes requisitos: a) possuírem vias de acesso automóvel e parques de estacionamento delimitados e pavimentados; b) possuírem acessos pedonais; c) apresentarem acessos à praia por parte das embarcações, bem demarcados; d) definirem os condicionamentos à pesca e à caça submarina; e) as suas águas serem submetidas a um controlo de qualidade; f) possuírem serviço de assistência e salvamento a banhistas; g) possuírem apoios de praia completos (integrando vestiário, balneário, instalações sanitárias, posto de socorros, comunicações de emergência, salvamento a banhistas, limpeza de praia e recolha de lixo, para além das eventuais funções comerciais); h) possuírem infra-estruturas de saneamento básico, de abastecimento de água, de energia e comunicações de emergência.

Se fizermos vista grossa sobre as três estâncias balneares atrás referidas, todas brindadas mais uma vez no início da época balnear com a cada vez mais desacreditada bandeirinha azul, até poderia parecer que tudo está conforme a lei. Mas se fizermos um ‘zoom’ sobre a praia de Esmoriz (um pouco mais a sul do local onde a Barrinha de tão cheia de imundice parece sentir-se tão enojada de si própria que só se alivia sempre que se abre ao mar) verificamos que as coisas não são assim tão claras e muito menos ambientalmente sustentáveis.
É que, pasme-se (!), existe um apoio de praia que pelo segundo ano consecutivo está a funcionar sem instalações sanitárias, obrigando durante o dia os seus clientes a procurarem instalações sanitárias noutro qualquer local (para chegarem ao WC mais próximo terão de atravessar o passadiço até à estrada onde se encontram duas cabines WC distanciadas cerca de uns 150 metros do dito bar). Refira-se, contudo, que à noite seja provável que este problema da distância seja minimizado já que os frequentadores do referido bar poderão sempre optar como alternativa, entre as dunas da praia ou o mar próximo, de modo a que se sintam mais rapidamente aliviados.
Ora bem, este foi assim e mais uma vez, um ritual de Verão na praia de Esmoriz, abrangendo várias horas por noite, todos os dias do mês, alguns meses no ano. Feitas as contas, imagina-se a quantidade de detritos espalhados entre a areia da praia de Esmoriz! Como se já não bastassem os detritos provenientes da Barrinha!
Pois que vivam as noites de Verão na praia de Esmoriz! Mas por favor, não ao estilo dos nómadas do Magreb. Evidentemente, que se o bar lá está é porque alguém o licenciou. Deste modo não se pode deixar de questionar muito directamente o papel da Câmara Municipal de Ovar em todo este processo.

Que se passa aqui? Que pesos e que medidas se aplicam nesta concessão que a tornam diferente das restantes? Porque se autoriza o licenciamento de um bar de praia sem condições sanitárias básicas? Será que existe alguma cláusula de excepção para o funcionamento deste bar? Ou será que pelo facto do referido bar se designar “Capitão Gancho” lhe confere automaticamente direito a uma arquitectura pirata?

(Artigo publicado a 11.10.07 no Jornal de Ovar)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Casos do Magreb: a verdadeira história de uma Bandeira Azul !


Na madrugada do passado dia 14 de Julho, sábado, mais uma vez e como que a cumprir uma fatal tradição por esta altura do ano, as águas da Barrinha de Esmoriz romperam com o frágil dique de areia que as sustém arrastando consigo um turbilhão de poluentes químicos e biológicos que conspurcaram a água do mar, a areia da praia e o ar que por aquelas bandas se respira.
Após este incidente procedeu-se de imediato ao hastear da bandeira vermelha na praia de Esmoriz, como forma de impedir os incautos banhistas de mergulharem na fossa em que entretanto se havia transformado o mar. No entanto e por incrível que pareça, a Câmara Municipal de Ovar não teve a sensatez (que seria de esperar) de ordenar a retirada imediata da Bandeira Azul, enganando deste modo todos os utilizadores daquela praia.

Nesse mesmo dia de sábado e face ao dramatismo da situação que se estava a viver em Esmoriz, foram efectuadas pela associação ambientalista “Palheiro Amarelo” várias chamadas telefónicas para os números disponibilizados pelas entidades governamentais envolvidas na gestão da Bandeira Azul (Câmara Municipal de Ovar e Associação da Bandeira Azul), tendo as mesmas mostrado-se infrutíferas, já que do outro lado da linha nunca ouve ninguém para atender o telefone.
Provavelmente, será natural ser assim em Portugal: não haver ninguém disponível durante o fim-de-semana para tratar de questões urgentes como estas; restou, então, aguardar por segunda-feira, apesar da Barrinha não ter parado de lançar os efluentes para o oceano durante todo o fim-de-semana! Por este facto, no Domingo, o Jornal de Notícias abordava já este desastre ambiental no concelho de Ovar.
Segunda-feira, dia 16. A RTP fazia também notícia do acontecimento. Apesar do grave atentado ambiental que decorria em Esmoriz, parecia que para a Câmara Municipal de Ovar a grande preocupação era que a Bandeira Azul, sinónimo de praia com qualidade, continuasse hasteada. Pois não é que a mesma lá continuava desfraldada ao vento no cimo do mastro! É caso para questionar: será que estes autarcas seriam capazes de se banharem no mar de Esmoriz no meio de tanta imundície? Ou de deixar os seus filhos brincarem no areal contaminado da beira-mar? Sinceramente, acho que não! E pergunto-me, porquê então, um “não” para os senhores da Câmara e um “sim” para os demais veraneantes?
Entretanto e novamente por diligências da associação ambientalista “Palheiro Amarelo” ocorrem uma série de contactos telefónicos entre a referida associação e a Associação da Bandeira Azul, quer a dinamarquesa, quer a portuguesa e entre esta última e a Câmara Municipal de Ovar, no sentido da autarquia proceder ao arriar da dita bandeira, pondo fim a uma reincidência de más práticas que têm servido apenas para descredibilizar o significado daquele galardão. A Bandeira Azul acabaria por ser retirada somente na tarde de terça-feira, dia 17, tendo sido necessário deslocar-se ao local uma autoridade marítima proveniente da Capitania do Porto do Douro.
Terça, dia 24. Durante a tarde, a Barrinha, que entretanto havia sido fechada, volta de novo a abrir continuando a poluir as praias do concelho.
Quarta, dia 25. Numa tentativa camuflada, a capitania (solicitada, sabe-se lá por quem!) volta a Esmoriz para proceder à entrega da Bandeira Azul, num momento em que a Barrinha ainda se encontrava a deitar para o mar. Imagine-se!!! A entidade marítima disposta a hastear a Bandeira Azul, quando na praia se encontrava afixado o seguinte edital: última colheita de água do mar realizada a 18/07 e respectivos resultados das análises com data de 20/07!!! Verdadeiramente inacreditável !!!
Quinta, dia 26. É o veredicto final. A presidente nacional da Associação da Bandeira Azul, finalmente cônscia da anarquia que em Ovar se vive, ordena que a Bandeira Azul não seja mais hasteada em Esmoriz até que se encontre uma solução para a Barrinha.

Aquela postura irreflectida demonstrada por parte da Câmara Municipal de Ovar acontece porque estamos em Portugal, onde o ambiente só é tido em consideração para efeitos de marketing eleitoralista. Porque estamos num país que, cada vez mais, reúne características terceiro-mundistas. Num país onde é possível a certos autarcas secundarizarem a saúde pública face à ambição cega por um galardão indevido, como seja a Bandeira Azul, mesmo que  hasteada numa praia poluída. Num país onde pululam autarcas, sem dúvida, habilitadíssimos para promoverem qualidade ambiental em favelas da América do Sul ou nalgum território do Magreb, mas sem capacidade para produzirem ganhos ambientais num concelho da Europa.

A terminar e perante atitudes como as que se viveram em Esmoriz saliento dois pontos relevantes.
Por um lado, o importante papel dos cidadãos (isolados ou em associações) na denúncia e correcção de situações ambientalmente insustentáveis, de que a celebração da festa da Bandeira Negra levada a cabo pelo Palheiro Amarelo pelo terceiro ano consecutivo é disso testemunho.
Por outro lado, a obrigação dos autarcas envolvidos nesta palhaçada assumirem as suas responsabilidades políticas por este atentado à saúde pública do concelho!

(Artigo publicado a 02.08.07 no Jornal de Ovar)

terça-feira, 1 de maio de 2007

A propósito do Dia Internacional da Terra


        No passado dia 22 de Abril celebrou-se o Dia Internacional da Terra. Acredito que para a maioria das pessoas esta data seja totalmente desconhecida e para as restantes, acredito mesmo, que a data pouco ou nada diga de concreto. Mas a verdade é que a mesma existe, porque alguém entendeu haver razões para isso. Alguém entendeu (e bem no meu ponto de vista) que a resolução dos problemas ambientais tem de ser encarada numa perspectiva global, balizando, corrigindo e incentivando o contributo dado por cada um em particular. Terá sido com estes objectivos que ocorreu a nascença deste memorial.

Caberá perguntar: qual o contributo dado pelos responsáveis políticos cá de Ovar para esta preocupação mundial? Entre vários outros, há dois que se destacam este ano e por esta ocasião.
        Primeiro contributo. Alguns meses antes desta data comemorativa inicia-se em Ovar, em zona anteriormente florestada e protegida, presentemente desafectada e destruída, a construção daquela que viria a ser encarada, de modo particular pelos autarcas locais, como um marco no desenvolvimento do concelho e uma panaceia para minimizar o desemprego local. Estou a referir-me, evidentemente, ao tão esperado Dolce Vita, uma obra que cresceu numa corrida contra o tempo, como se ela própria do tempo tivesse necessidade de fugir. Mas o que é afinal este Dolce Vita?
        Não é o moderno e espaçoso museu onde o espólio ovarense bem merecia ter assento, nem tão pouco a casa da cultura há tanto requisitada, nem qualquer outra infra-estrutura de desenvolvimento social, cultural ou desportiva vocacionada para usufruto generalizado das colectividades locais ou da população vareira. É antes e tão-somente um centro comercial, associado a uma arena desportiva dita multi-usos (mas efectivamente de uso muito restringido) e baptizada com um nome bastante jocoso (pois Dolce Vita será sem dúvida a dos promotores do projecto, pois tanto quanto é conhecido dos grandes grupos económicos, estes não dão nada a ninguém e quando dão umas migalhas é com o sentido de irem buscar o bolo por inteiro).
E foi assim, entre a correria do povo a este local nos primeiros dias de inauguração, as promoções, a festa, os convidados vip’s e o samba, que o governo local quis mais uma vez fazer esquecer os exemplos de outros aqui bem perto de nós que marcam a diferença pela positiva. Outros que não tendo no seu território apenas um mas vários centros comerciais não necessitaram, contudo, de agredir a natureza desencadeando um processo de destruição maciça dos espaços verdes existentes.
Creio, pois, que este não será de modo algum, um evento que fique para a história por motivos nobres. Tão pouco esta hora é de regozijo, como alguns querem fazer crer.
        Não é de regozijo ver a destruição da mata a norte da cidade, como resultado da voracidade dos grandes grupos económicos, que fazem no Portugal desgovernado aquilo que não podem fazer noutros países, nomeadamente em Espanha.
Não é de regozijo perspectivar que este empreendimento torne mais justificável a ocupação imobiliária entre Ovar e o Furadouro daqueles que foram e deveriam continuar a ser solos florestais.
Não é de regozijo continuar a ver que Ovar não tem um plano estratégico de desenvolvimento sustentável para a sede do concelho.
        Não é de regozijo contemplar a impunidade com que se deixa rasgar uma estrada florestal, à pressa e sem qualquer estudo sobre o impacte ambiental da mesma, transformando aquilo que era um recanto habitacional numa das mais movimentadas vias da cidade.
        Não é de regozijo ver a grande quantidade de areias que foram retiradas dos campos dunares intervencionados, bem antigos e conservados e que estiveram este tempo todo à espera de serem finalmente saqueadas.
        Não é de regozijo, já o tenho afirmado várias vezes, constatar que o ‘ambiente´ ovarense continua a não ter a nível institucional quem por ele olhe.
        É claro que também não é de regozijo ver os números de desemprego na cidade de Ovar. Seiscentos, quinhentos ou até mesmo outro qualquer número menor de desempregados devem constituir sempre motivo de preocupação. Não está em causa a criação de mais postos de trabalho, mas antes, a forma irreflectida como se aceitam as propostas que conduzem à empregabilidade na nossa cidade.
Refira-se, que também não é de regozijo para qualquer ovarense saber que é grande o buraco financeiro herdado por esta câmara e que é difícil fazer obra sem fundos. Mas, de modo algum se pode continuar a pactuar com a política de “dar a mata e cinco tostões” ao primeiro que aparece, como forma de tapar rapidamente esse buraco. Há que arranjar alternativas credíveis, substituindo os métodos politiqueiros do século passado por uma moderna e arejada gestão autárquica.
Resta esperar, que o projecto Dolce Vita depois de ter constituído um elevado custo ambiental, pelo menos traga para Ovar benefícios económicos efectivos resolvendo as situações dramáticas do desemprego. Se assim for poder-se-á justificar, que afinal, Dolce Vita em Ovar não é um enorme elefante branco.
        Segundo contributo. É natural, que ao longo do passado século, os ovarenses tivessem sonhado e arquitectado projectos de desenvolvimento turístico ao longo do litoral do concelho. Mas, o que provavelmente esses sonhadores de então não sonhavam era que o mar estava a tornar-se cada vez mais implacável na sua vontade de avançar sobre terra firme. E assim, ideias tão “bonitas” como aquela de fazer atravessar o cordão frontal por uma avenida marginal, que ligasse o topo norte ao topo sul do concelho, tiveram que ficar com data de inauguração agendada para as calendas gregas.
Vem isto a propósito de que, actualmente, parecem continuar omnipresentes no nosso concelho esse tipo de almas peregrinas, completamente desenquadradas do contexto temporal em que se encontram e até das funções de que estão imbuídas, teimando em levar por diante ideias sem nexo e ambientalmente insustentáveis, como aquela de realizar um projecto turístico para o golfe entre a ria de Ovar e a zona sul do Furadouro. 
Há muito, muito tempo, que venho alertando para o avanço do mar em todo o litoral do concelho, chamando particular atenção, precisamente para a zona localizada a sul do Furadouro. Independentemente da insistência dos autarcas ovarenses em quererem fazer ouvidos moucos dos alertas lançados (uma atitude que só lhes tem trazido desilusões e contrariedades) a verdade é que, como se viu recentemente com a reprovação do referido projecto por parte do Ministério do Ambiente, estes autarcas insistem em continuar a criar situações de risco em vez de as evitarem.

Incrível, não é? É caso para pensar o que levará esta gente a estrebuchar tanto, a clamar justiça e intervenções ao mais alto nível, quando está em causa o ‘chumbo’ de um projecto imobiliário planeado para uma zona de risco... Insistir em edificar sobre a orla costeira, mesmo quando o avanço do mar é cada vez mais evidente... É, sem dúvida, esta teimosia em projectos contra natura que revelam, muito claramente, como algumas pessoas se encontram desfasadas da sua missão sócio-política...

Perante a inviabilização por parte do Ministério do Ambiente do complexo turístico a construir no Carregal, face às previsões que apontam para 2140 o posicionamento da linha de costa neste local, a Câmara Municipal de Ovar reagiu, classificando esta medida como “irresponsável”. Irresponsável porque, segundo a Câmara, este intervalo de tempo de cerca de 130 anos chegaria sobejamente para o projecto em causa atingir os objectivos dos seus promotores!
Não conheço, de facto, quais os objectivos (claramente financeiros, em última análise) dos promotores do projecto. Mas estou seguro de que não seriam precisos 130 anos, nem tão-pouco 30 anos, para o contribuinte anónimo, aquele que não irá usufruir qualquer rendimento do empreendimento em causa, estar a pagar mais impostos por causa deste mesmo projecto. 
É que daqui a 3, 4 ou meia dúzia de anos apenas, quando o mar a sul do Furadouro começar a derrubar os primeiros pinheiros da mata, alguém irá entender com a maior das razões, que o empreendimento turístico estará, então, a ser ameaçado pelo mar e que será necessário reivindicar a construção de mais defesas (em pedra, claro!), custe o que custar. E será nesta altura que entra em jogo o cidadão anónimo; aquele que nunca foi ao complexo jogar uma só partida de golfe, nem fez uso das instalações hoteleiras, mas que agora é “chamado à pedra”.
Chamado à pedra, porque as verbas que são gastas na defesa da costa para proteger empreendimentos bestiais, como este que em Ovar se quer construir, serão subtraídas ao orçamento do Estado (o que implicará menos verbas para a educação, para a segurança social, para a saúde, etc.). E se o orçamento não chegar, sobem-se os impostos e as taxas, disto e daquilo, ou então, cortam-se os subsídios e os apoios, daquilo ou daqueloutro. Sempre tudo muito linear para o cidadão anónimo, como eu.

E dizem os senhores autarcas de Ovar que, não sei quê..., que o PDM diz que aquele território é Espaço Turístico! Pois se diz, não devia dizer! Ou pelo menos não deveria permitir que o uso turístico daquela faixa costeira implicasse edificações fixas do género daquelas que se pretendem para o local.
Um PDM não é, nem nunca foi uma Bíblia. Não é, nem nunca foi um conjunto de dogmas irrefutáveis que não se possam alterar. Por isso é que existem revisões do mesmo. O PDM de Ovar tem de ser um documento alicerçado em condicionantes reais e não utópicas. Tem de ser um instrumento de ordenamento, com dinâmica suficiente para corrigir o que em cada momento deixa de fazer sentido, sobretudo quando estão em causa situações conflituosas como aquela que é provocada pelo mencionado projecto.

Talvez pela milésima vez afirmarei que a actual faixa costeira ovarense não reúne condições para que nela se executem, de forma conscienciosa, projectos de ocupação imobiliária, sejam eles de cariz turístico ou outro! E talvez pela centésima vez afirmarei que o actual Plano de Desenvolvimento de Ovar está errado nas suas premissas. Ovar não deve crescer na direcção do mar e da ria, mas sim em sentido oposto! 
Certo de que os autarcas de hoje acabarão por me dar razão num futuro próximo, termino este escrito, salientando que não será certamente com contributos como estes dois que retratei, que a autarquia de Ovar algum dia poderá celebrar de forma responsável o Dia Internacional da Terra.

 (Artigo publicado a 10.05.07 e a 17.05.07 no Jornal de Ovar)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

De Ovar à Caparica


De Ovar à Caparica dista apenas a distância de uma bofetada de luva branca.
A 4 de Dezembro do ano findo - no decurso do Fórum realizado pelo FAPAS em Ovar sobre os problemas da zona costeira - após ter sido por mim interpelado acerca da necessidade urgente de se proceder à alimentação, com areia, das praias do concelho face ao avanço dramático do mar e à ineficácia das obras em pedra construídas, o eng.º Veloso Gomes, consultor do INAG (entidade responsável por todas as intervenções no litoral português) e um dos oradores do dia procurou contrariar esta ideia, empregando para isso argumentos da maior debilidade e credibilidade. Acredito, contudo, que com esta sua argumentação frágil pretendesse apenas estar em sintonia com a retórica do seu anfitrião, o qual momentos antes e em jeito de abertura do fórum tinha falado de “alarmismos exagerados da parte de alguns” e de “as opções alternativas propostas serem pouco credíveis”. Na altura ficou por se saber a quem se referiria este senhor, mas hoje sabemos todos que se cumpriu o velho ditado popular que diz que “pela boca morre o peixe”.
É que duas semanas depois destas posturas críticas, assumidas de forma excitada naquele fórum, o mar atacou na costa da Caparica destruindo o cordão dunar e pondo em risco infra-estruturas de apoio. De imediato e para espanto de quem acompanha de perto esta problemática assistiu-se ao anúncio nos media por parte da presidência do INAG (Instituto da Água) de que, como medida de intervenção urgente, seria feito o reforço do cordão dunar com, imagine-se, ... areia (lembremos que a estratégia desta entidade ao longo dos anos foi sempre de desprezo por esta opção da alimentação artificial em prol da construção de defesas em pedra). Finalmente, a revolução de ideias havia chegado ao litoral! Mas o mais incrível estava para se ver e ouvir. Um ou dois dias depois deste posicionamento do INAG vem também à TV o referido engenheiro, consultor do mesmo instituto e que com a maior das naturalidades defende então aquilo que em Ovar havia condenado - a alimentação artificial das praias e a necessidade de abandono da frente litoral!
A importância desta postura contraditória (e simultaneamente patética) teria sido minimizada, passado mesmo despercebida, caso a mesma não tivesse representado uma enorme bofetada de luva branca naquele que levianamente continua a demonstrar não ter “dentes para as nozes que lhe são oferecidas”. Para aquele que há muito tempo, porque suficientemente alertado e documentado com estudos científicos locais, poderia ter sido o principal sujeito na reivindicação para o litoral ovarense destas intervenções agora desencadeadas na área da grande capital. São precisamente os 3 milhões de metros cúbicos de areia que na Caparica vão ser depositados de forma determinada que tanta falta fazem ao litoral do nosso concelho.
É com tristeza que se constata que, enquanto as autarquias (salvo honrosas excepções) continuarem a assumir posturas destas (como aquela assumida pela edilidade vareira a 4 de Dezembro) o país continuará dividido somente em duas grandes regiões geográficas: uma, a grande capital e a outra, a enorme paisagem! E não é isto que eu quero como cidadão e como munícipe que pago todos os impostos que me cobram. Não quero ver o município de onde sou natural e onde vivo, sem estratégia de desenvolvimento, sem alma para crescer, sem visão de futuro e com uma memória que se continua a apagar no tempo.
Mas não se pense que tudo foi mau naquele importante fórum. Antes pelo contrário. Este fórum poderá ter sido a gota de água que esteve na origem da reviravolta operada pelo INAG em finais de 2006 sobre como abordar a gestão da orla costeira portuguesa. Uma abordagem que está no começo, pois a metodologia usada terá que ser optimizada.
Pessoalmente congratulo-me com esta viragem na forma de olhar o litoral, que reflecte todo um esforço de vários anos a defender sozinho (e contra aqueles que hoje são adeptos) a alimentação artificial das praias e dunas e a deslocação dos povoados litorais para o interior, contra a mentalidade instituída de incentivo às obras em pedra e ao crescimento urbanístico nas frentes litorais. Uma viragem que permitiu também e subitamente fazerem-se ouvir mais algumas vozes que antes permaneciam caladas e que hoje já defendem, se bem que ainda timidamente, a alimentação artificial. Estou em crer, contudo, que estas vozes irão progressivamente aumentando de número e de tom para bem do litoral português.

(Artigo publicado a 01.02.07 no Jornal de Ovar)