terça-feira, 1 de maio de 2007

A propósito do Dia Internacional da Terra


        No passado dia 22 de Abril celebrou-se o Dia Internacional da Terra. Acredito que para a maioria das pessoas esta data seja totalmente desconhecida e para as restantes, acredito mesmo, que a data pouco ou nada diga de concreto. Mas a verdade é que a mesma existe, porque alguém entendeu haver razões para isso. Alguém entendeu (e bem no meu ponto de vista) que a resolução dos problemas ambientais tem de ser encarada numa perspectiva global, balizando, corrigindo e incentivando o contributo dado por cada um em particular. Terá sido com estes objectivos que ocorreu a nascença deste memorial.

Caberá perguntar: qual o contributo dado pelos responsáveis políticos cá de Ovar para esta preocupação mundial? Entre vários outros, há dois que se destacam este ano e por esta ocasião.
        Primeiro contributo. Alguns meses antes desta data comemorativa inicia-se em Ovar, em zona anteriormente florestada e protegida, presentemente desafectada e destruída, a construção daquela que viria a ser encarada, de modo particular pelos autarcas locais, como um marco no desenvolvimento do concelho e uma panaceia para minimizar o desemprego local. Estou a referir-me, evidentemente, ao tão esperado Dolce Vita, uma obra que cresceu numa corrida contra o tempo, como se ela própria do tempo tivesse necessidade de fugir. Mas o que é afinal este Dolce Vita?
        Não é o moderno e espaçoso museu onde o espólio ovarense bem merecia ter assento, nem tão pouco a casa da cultura há tanto requisitada, nem qualquer outra infra-estrutura de desenvolvimento social, cultural ou desportiva vocacionada para usufruto generalizado das colectividades locais ou da população vareira. É antes e tão-somente um centro comercial, associado a uma arena desportiva dita multi-usos (mas efectivamente de uso muito restringido) e baptizada com um nome bastante jocoso (pois Dolce Vita será sem dúvida a dos promotores do projecto, pois tanto quanto é conhecido dos grandes grupos económicos, estes não dão nada a ninguém e quando dão umas migalhas é com o sentido de irem buscar o bolo por inteiro).
E foi assim, entre a correria do povo a este local nos primeiros dias de inauguração, as promoções, a festa, os convidados vip’s e o samba, que o governo local quis mais uma vez fazer esquecer os exemplos de outros aqui bem perto de nós que marcam a diferença pela positiva. Outros que não tendo no seu território apenas um mas vários centros comerciais não necessitaram, contudo, de agredir a natureza desencadeando um processo de destruição maciça dos espaços verdes existentes.
Creio, pois, que este não será de modo algum, um evento que fique para a história por motivos nobres. Tão pouco esta hora é de regozijo, como alguns querem fazer crer.
        Não é de regozijo ver a destruição da mata a norte da cidade, como resultado da voracidade dos grandes grupos económicos, que fazem no Portugal desgovernado aquilo que não podem fazer noutros países, nomeadamente em Espanha.
Não é de regozijo perspectivar que este empreendimento torne mais justificável a ocupação imobiliária entre Ovar e o Furadouro daqueles que foram e deveriam continuar a ser solos florestais.
Não é de regozijo continuar a ver que Ovar não tem um plano estratégico de desenvolvimento sustentável para a sede do concelho.
        Não é de regozijo contemplar a impunidade com que se deixa rasgar uma estrada florestal, à pressa e sem qualquer estudo sobre o impacte ambiental da mesma, transformando aquilo que era um recanto habitacional numa das mais movimentadas vias da cidade.
        Não é de regozijo ver a grande quantidade de areias que foram retiradas dos campos dunares intervencionados, bem antigos e conservados e que estiveram este tempo todo à espera de serem finalmente saqueadas.
        Não é de regozijo, já o tenho afirmado várias vezes, constatar que o ‘ambiente´ ovarense continua a não ter a nível institucional quem por ele olhe.
        É claro que também não é de regozijo ver os números de desemprego na cidade de Ovar. Seiscentos, quinhentos ou até mesmo outro qualquer número menor de desempregados devem constituir sempre motivo de preocupação. Não está em causa a criação de mais postos de trabalho, mas antes, a forma irreflectida como se aceitam as propostas que conduzem à empregabilidade na nossa cidade.
Refira-se, que também não é de regozijo para qualquer ovarense saber que é grande o buraco financeiro herdado por esta câmara e que é difícil fazer obra sem fundos. Mas, de modo algum se pode continuar a pactuar com a política de “dar a mata e cinco tostões” ao primeiro que aparece, como forma de tapar rapidamente esse buraco. Há que arranjar alternativas credíveis, substituindo os métodos politiqueiros do século passado por uma moderna e arejada gestão autárquica.
Resta esperar, que o projecto Dolce Vita depois de ter constituído um elevado custo ambiental, pelo menos traga para Ovar benefícios económicos efectivos resolvendo as situações dramáticas do desemprego. Se assim for poder-se-á justificar, que afinal, Dolce Vita em Ovar não é um enorme elefante branco.
        Segundo contributo. É natural, que ao longo do passado século, os ovarenses tivessem sonhado e arquitectado projectos de desenvolvimento turístico ao longo do litoral do concelho. Mas, o que provavelmente esses sonhadores de então não sonhavam era que o mar estava a tornar-se cada vez mais implacável na sua vontade de avançar sobre terra firme. E assim, ideias tão “bonitas” como aquela de fazer atravessar o cordão frontal por uma avenida marginal, que ligasse o topo norte ao topo sul do concelho, tiveram que ficar com data de inauguração agendada para as calendas gregas.
Vem isto a propósito de que, actualmente, parecem continuar omnipresentes no nosso concelho esse tipo de almas peregrinas, completamente desenquadradas do contexto temporal em que se encontram e até das funções de que estão imbuídas, teimando em levar por diante ideias sem nexo e ambientalmente insustentáveis, como aquela de realizar um projecto turístico para o golfe entre a ria de Ovar e a zona sul do Furadouro. 
Há muito, muito tempo, que venho alertando para o avanço do mar em todo o litoral do concelho, chamando particular atenção, precisamente para a zona localizada a sul do Furadouro. Independentemente da insistência dos autarcas ovarenses em quererem fazer ouvidos moucos dos alertas lançados (uma atitude que só lhes tem trazido desilusões e contrariedades) a verdade é que, como se viu recentemente com a reprovação do referido projecto por parte do Ministério do Ambiente, estes autarcas insistem em continuar a criar situações de risco em vez de as evitarem.

Incrível, não é? É caso para pensar o que levará esta gente a estrebuchar tanto, a clamar justiça e intervenções ao mais alto nível, quando está em causa o ‘chumbo’ de um projecto imobiliário planeado para uma zona de risco... Insistir em edificar sobre a orla costeira, mesmo quando o avanço do mar é cada vez mais evidente... É, sem dúvida, esta teimosia em projectos contra natura que revelam, muito claramente, como algumas pessoas se encontram desfasadas da sua missão sócio-política...

Perante a inviabilização por parte do Ministério do Ambiente do complexo turístico a construir no Carregal, face às previsões que apontam para 2140 o posicionamento da linha de costa neste local, a Câmara Municipal de Ovar reagiu, classificando esta medida como “irresponsável”. Irresponsável porque, segundo a Câmara, este intervalo de tempo de cerca de 130 anos chegaria sobejamente para o projecto em causa atingir os objectivos dos seus promotores!
Não conheço, de facto, quais os objectivos (claramente financeiros, em última análise) dos promotores do projecto. Mas estou seguro de que não seriam precisos 130 anos, nem tão-pouco 30 anos, para o contribuinte anónimo, aquele que não irá usufruir qualquer rendimento do empreendimento em causa, estar a pagar mais impostos por causa deste mesmo projecto. 
É que daqui a 3, 4 ou meia dúzia de anos apenas, quando o mar a sul do Furadouro começar a derrubar os primeiros pinheiros da mata, alguém irá entender com a maior das razões, que o empreendimento turístico estará, então, a ser ameaçado pelo mar e que será necessário reivindicar a construção de mais defesas (em pedra, claro!), custe o que custar. E será nesta altura que entra em jogo o cidadão anónimo; aquele que nunca foi ao complexo jogar uma só partida de golfe, nem fez uso das instalações hoteleiras, mas que agora é “chamado à pedra”.
Chamado à pedra, porque as verbas que são gastas na defesa da costa para proteger empreendimentos bestiais, como este que em Ovar se quer construir, serão subtraídas ao orçamento do Estado (o que implicará menos verbas para a educação, para a segurança social, para a saúde, etc.). E se o orçamento não chegar, sobem-se os impostos e as taxas, disto e daquilo, ou então, cortam-se os subsídios e os apoios, daquilo ou daqueloutro. Sempre tudo muito linear para o cidadão anónimo, como eu.

E dizem os senhores autarcas de Ovar que, não sei quê..., que o PDM diz que aquele território é Espaço Turístico! Pois se diz, não devia dizer! Ou pelo menos não deveria permitir que o uso turístico daquela faixa costeira implicasse edificações fixas do género daquelas que se pretendem para o local.
Um PDM não é, nem nunca foi uma Bíblia. Não é, nem nunca foi um conjunto de dogmas irrefutáveis que não se possam alterar. Por isso é que existem revisões do mesmo. O PDM de Ovar tem de ser um documento alicerçado em condicionantes reais e não utópicas. Tem de ser um instrumento de ordenamento, com dinâmica suficiente para corrigir o que em cada momento deixa de fazer sentido, sobretudo quando estão em causa situações conflituosas como aquela que é provocada pelo mencionado projecto.

Talvez pela milésima vez afirmarei que a actual faixa costeira ovarense não reúne condições para que nela se executem, de forma conscienciosa, projectos de ocupação imobiliária, sejam eles de cariz turístico ou outro! E talvez pela centésima vez afirmarei que o actual Plano de Desenvolvimento de Ovar está errado nas suas premissas. Ovar não deve crescer na direcção do mar e da ria, mas sim em sentido oposto! 
Certo de que os autarcas de hoje acabarão por me dar razão num futuro próximo, termino este escrito, salientando que não será certamente com contributos como estes dois que retratei, que a autarquia de Ovar algum dia poderá celebrar de forma responsável o Dia Internacional da Terra.

 (Artigo publicado a 10.05.07 e a 17.05.07 no Jornal de Ovar)